Descrição
Glauco Mattoso, já em suas primeiras publicações, principalmente a partir da defesa firme da escrita coprofágica, rompe com a busca pelo “bom” ou “prazeroso” efeito estético, recondicionando as necessidades do leitor/fruidor a um processo muito mais humano e, por isso, incômodo, de relação com a obra, em que a reflexão de questões da condição humana não pode ser ignorada: cegueira, podolatria, masturbação, desejo pelo odor fétido do chulé, tortura, gozo… A transgressão do kitsch feita por Mattoso se dá a partir do momento em que ele traz à tona uma estética conduzida por temas inesperados, que são literalmente excluídos de alguma maneira nos mais diversos discursos, até mesmo o literário. […]
Paradoxalmente, a “merda” é o que mais indica que o ser humano é humano. Portanto, negar a “merda” é negar o que é humano, e assumi-la é uma ação (ironicamente) desumana – mesmo sendo a mais humana possível. Por essa razão, Mattoso contraria a própria condição, pois nega o kitsch – que ameniza qualquer forma do trágico pela arte, desconsiderando o conflito em busca de uma harmonia – e expõe aquilo que ninguém quer ver, ouvir, falar, refletir e, muito menos, confessar. Assumir o que é ocultado ou excluído é excluir-se, pois quem assim se posiciona, acaba por se enquadrar fora de um modelo já aceito, um modelo comum e confortável de fruição.